Um trecho do rio Tietê antes de chegar na grande São Paulo. Água ainda límpida, margens que nem lembravam o rio passando pela capital. Dava pra ver o fundo em certos trechos. O dia estava chuvoso, então ficamos embaixo de uma ponte onde ouvíamos os carros e caminhões passando. Curiosamente não tinha os pernilongos e mutucas que empesteiam outros rios.
_ Pega a sacola com as tralhas ai e traz junto.
_ Ta!
_ Pegou a varinha que você escolheu lá em casa?
_ Peguei
_ Trouxe seu boné?
_ Não! A mãe não deixou!
_ Por quê?
_ Ela disse que era igual ao seu e que eu ficava parecendo o senhor.
_ Ela disse isso?
_ Um monte de vez! E disse pra ficar do seu lado. Senão eu apanho.
_ Nisso sua mãe acertou. O que eu vivo te dizendo?
_ Não sair do seu lado pra nada.
_ Isso mesmo. Agora, vamos na onde?
_ Sei não pai. O senhor quer ir onde? Aqui tem peixe?
_ Tem. Pelo menos da ultima vez que vim tinha. Peguei um monte de cará. Sabe qual é?
_ Não! Que peixe é esse? Nunca vi.
_ É um peixe médio, nas costas tem um barbatana assim - fez uma medida com a mão – mas tem que tomar cuidado. É cheio de espinhos na hora de pegar.
_ Toma! Usa esse você. Vai que faz sol.
Deu o boné dele. Pelo modelo, antigo, não tinha a regulagem que tem hoje, somente um elástico que estava já frouxo fazia muito tempo. Quando o menino colocou na cabeça. O pai desandou a rir como um doido. O boné fica balançando de um lado pro outro.
_ Para pai! Ta rindo do que?
_ De você com esse boné! Perai!
Pegou um anzol de dentro da mochila, fez uma pensa e prendeu, com um alicate de bico, cortou a ponta e fez uma fechadura.
_ Pronto! Agora ficou bom! Vamo indo que o pessoal já desceu.
_ Oba! O senhor põe isca pra mim?
_ Ponho!
_ O senhor faz aquele negócio de ficar puxando peixe?
_ Que negócio é esse? Puxando peixe?
_ É! Aquele que joga aquele negócio na água e ai o senhor fica mexendo na água e depois joga outro negócio vermelho pra ficar mais forte!
_ Complicou...
_ É aquele que puxa peixe pai! Aquele que traz um monte de peixe!
_ ...
_ Não lembra? O senhor pegou lá em casa!
_ Danou-se! Num lembro não! Puxa peixe? Rede?
_ Não pai! É pra puxar o peixe e a gente pesca! Lembrou?
_ Farelo? Aquele que joga na água pra atrair peixe?
_ É farelo? Achei que fosse isca!
_ Ai, vamo la!
Apressaram o passo. Os amigos do homem já estavam lá embaixo a tempos. Um se ajeitou mais pra frente. Mesmo com chuva colocou um chapéu de palha que se dissesse que era um cantor mexicano ninguém duvidaria. Levou um rádio. Gerou confusão. Ninguém sabia que peixe gostava de ouvir musica. Ainda mais do programa do Zé Bétio.
_ Oh! Desliga isso senão a gente não pega nada! – Falou o homem que acompanhava o menino.
_ Ta bom! Desligo! Mas só depois das moda de viola! Ainda não tem ninguém pescando e o Paulo Sérgio quer comer, então leva o Marcelo ali que vou fazer uns pão.
Isso, se querem saber, era aproximadamente 5 horas da manhã! Chegar cedo era o segredo pra poder pegar um bom lugar e ficar lá no rio a vontade.
Ficaram ali, embaixo da ponte um bom tempo, até o sol sair por completo e fazer algum calor, hora chovia um pouco, hora estiava. Ficou assim por um bom tempo. O pai com tudo armado, já sentado na beira do rio com o moleque que não desgrudava dele, armava um anzol e ficava de olho em outra vara o tempo todo. O menino grudado numa varinha de pesca que mau dava um metro. Parecia ter medo de algum peixe fisgar e não saber o que fazer. Ficava ali, segurando e vendo o que o pai fazia.
_ Ué! Todo mundo ta pegando alguma coisa e você nem sequer belisca.
_ Não... – cara emburrada e um bico enorme.
_ Você viu se tem isca no anzol de novo?
_ Não... – cara emburrada e um bico maior ainda.
_ Mas tem de erguer de vez em quando pra ver. Você não ergue nenhuma vez.
_ Não... – Já sabem o resto...
_ Da aqui! Deixa eu ver.
Quando ergueu a linha, nem precisa dizer. Não havia isca. O pai olhou pra ele, olhou pro anzol e perguntou.
_ Por que você não disse que não tinha isca? Achei que tivesse colocado.
_ Tenho medo de minhoca. Parece que pula.
_ Não tem que ter medo não. Vamo lá! Pega lá a latinha de isca.
O menino olhou pra lata. Olhou pro pai. Olhou pra lata. Olhou pro pai. E por fim, voltou dizendo.
_ Não quero pescar mais não. To sem vontade.
_ Ué! Agora que não entendi mesmo. Sem vontade? Por quê? Vem cá! Me conta essa que é nova.
_ É que não sei colocar isso no anzol... – baixou a cabeça e ficou esperando uma dura do pai.
Uma gargalhada que fez até os amigos mais distantes erguerem a cabeça e outros fazerem ‘Psiu!’ foi ouvida.
_ O figura! Tem que aprender sim! Senão como você vai se virar quando eu não for pescar? Pega uma minhoca ai.
A cena foi hilária. Ele enfiando a mão dentro da latinha com as minhocas e quando pegou uma jogou no chão e ficou olhando ela espernear. O pai sem a menor cerimônia, pegou a minhoca nervosa, com a mão, partiu-a no meio e falou pro menino.
_ Faz assim! Com cuidado pra não espetar a mão! – Enfiou a minhoca no anzol e entregou a vara na mão do menino.
_ Ta! E agora?
_ Põe na água! Joga sem muita força pra frente. Isso!
Foi assim a manhã inteira. Horas o menino pedia ajuda, outras tentava se virar. Mas o fato é que ele ainda não tinha muito jeito com pesca. Quando o peixe beliscava ele demorava a fisgar e pronto! La se foi mais uma isca na barriga do peixe. Todos os outros em volta faziam a festa pegando um após o outro. Inclusive o pai. Que quando podia ajudava o menino ensinando um macete ou outro nas manhas da pesca. Mas, mesmo assim, nada de peixe com ele. O menino foi desanimando, vendo tanta gente se divertindo e somente ele ali, sem pegar um peixinho sequer. Olhou o pai, fez o já conhecido bico e tirou a linha da água. Deixou a varinha de lado. Foi mais perto do pai. Virou o boné de lado e pediu água. O pai passou a garrafa e deu um pedaço de pão com mortadela por menino. Nem tinha se tocado que esse havia parado de pescar. Num instante, conversando com um amigo ao lado, após tirar mais um peixe da água. Notou, olhando de relance o menino com os pés na água, sem ter a mínima vontade de pescar. Ai perguntou.
_ Que foi? Cansou? Quer dormir um pouco.
_ Não pai. Só não quero pescar. Tá chato.
_ Mas você pediu tanto pra vir junto. Vai parar?
_ Vou! Não sei como faz. Não acertei.
O pai olhou bem naquela cara que tanto lembrava o próprio quando ficava enfezado, riu de canto, virou o boné do menino e disse em tom sério.
_ Olha, não posso te obrigar a pescar! Não posso te obrigar a ficar. Mas posso te dizer que uma vez ou outra tem insistir no assunto. Se não da certo na primeira nem na segunda, é porque algo errado esta acontecendo. Então você tem de descobrir o que é pra poder tentar de novo. Ai você consegue! Só quando tentar de todas as maneiras e não conseguir, ai sim você muda tudo ou para de vez. Entendeu?
_ Acho que sim. Posso mudar de vara de pescar?
_ Pode!
_ Pode mudar de anzol?
_ Pode!
_ Posso sentar onde o senhor ta?
_ Pode!
_ Legal!
_ Sua mãe me pede menos coisas que você! Ta doido!
Com toda essa mudança de tática, alguma coisa tinha de acontecer! Pelo menos mais animado o menino ficou. Conversando baixinho, como o pai fazia e vendo o saco na água cheia de peixe, ele ficou imaginando o que faria se pegasse um. Todos em volta só dando força ou fazendo piadas de beira de rio com ele. Ele ria disso e ficava lá só olhando se a linha mexia. De repente...
_ Peguei! Peguei! Pai ajuda! Peguei! Peguei! Olha aqui pai! Peguei.
O peixe deve ter morrido foi de susto. Todos até pararam pra ver. Não o peixe. Mas o barulho que o menino fez.
_ Ta bom! Ta bom! Ta bom! Deixe eu te ensinar a pegar o peixe e tirar o anzol.
Com cuidado, o pai disse como deveria tirar um cará do anzol e assim o fez. Pegou o peixe das mãos do menino, que nem queria misturar com os outros peixes, dizendo que iria mostrar pra mãe qual era e como fisgou o peixe. Mas com uma boa conversa, o peixe foi pro saco. Era difícil dizer se foi mais difícil tirar o peixe do anzol ou das mãos do menino.
_ Viu ? Não ficou melhor agora? Pegou seu peixe do dia. Vamos tentar de novo?
_ Oba! Agora quero colocar duas varinhas na água pai.
_ Tá bom menino! Pega lá outra. Você coloca a isca dessa vez!
_ Oba! Faço! Eu faço.
_ Viu o que quis dizer? As vezes basta insistir e pegar só um peixe que você anima e continua. O negócio é continuar tentando.
São as menores coisas que passamos que no fim das contas nos mostram as maiores que temos na vida. Essa, com certeza é uma delas.
Tyr
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