Em um escritório, abarrotado de trabalho um chefe neurótico adentra a sala soltando fogo pelas ventas! Nervoso com a baixa produtividade do setor de contas e orçamentos e sendo pressionado pelos superiores. Olhou ao redor e ninguém, absolutamente ninguém, tinha a coragem de encará-lo. Quase a beira de um infarto, olhou novamente em volta sem saber como dar um jeito naquele inferno disfarçado de escritório. Foi quando olhou novamente ao redor e identificou algo que não havia notado antes. Baixou a cabeça e foi para sua sala.
Dez minutos depois...
_ Dona Maria, queira fazer o favor de vir até minha sala! – Disse ele ao telefone.
Um minuto depois...
_ Pois não, senhor Nestor! O que foi?
_ Tenho de dispensá-la!
_ Como? Ma... Mas por quê?
_ A senhora tem mais tempo de casa! É a coordenadora do departamento de orçamentos e auxilia as contas a pagar. Vou desmembrar isso e criar dois novos cargos. Não precisa cumprir o aviso prévio! Vou mandar indenizar tudo. A partir da amanhã a senhora não precisa mais vir. Caso tenha alguma reclamação quanto horas-extras ou algo pendente pode falar com o pessoal do R.H. que eu dou um jeito nisso. E por hoje, se quiser pode ir para casa! E deixe seu computador ligado. Já pedi pro pessoal da técnica selecionar sua pasta pessoal e gravar no servidor remoto. De lá a senhora pode baixar tudo que é seu ou se quiser, gravamos numa pendrive e lhe enviamos. Não se preocupe!
_ Mas Sr. Nestor! Por que isso agora? Tenho mais de 6 anos de casa! O senhor não pode me dispensar assim! E o que vai ser de mim! – Maria estava um pouco - Bem, minto! Muito! - nervosa sem entender o porquê daquilo tudo.
_ Produtividade! Agora me faça um favor, pode ir para casa. No dia do acerto com a empresa conversamos novamente! Eu mesmo vou até o sindicato! Se eu comecei eu mesmo termino. Tenha um bom dia!
_ Mas...
Ele nem olhou mais pra ela. Pegou um cigarro, acendeu e antes que ela se derramasse em lagrimas ele colocou os óculos escuros, pegou seu paletó e saiu. Ela olhava pelo vidro aquele homem, que de um minuto para outro virou uma coisa inominável e que ela tinha vontade de xingar na frente de todos. Mas não por falta de coragem, mas sim por discrição, calou-se. Ainda dentro da sala, ela viu a caixa de lenços de papel em cima da mesa. Pegou-a inteira, limpou os olhos e saiu. Com a maior dignidade possível, passou por todos, que agora estavam atônitos, pegou sua bolsa, um retrato em cima da mesa e jogou no lixo. Saiu.
Quatro dias depois no sindicato.
_ Boa tarde! Como esta?
_ Desempregada! – Espírito forte ela tinha!
Um sorriso tímido brotou nos lábios enrugados dele. Sem explicação e como sempre se virou e foi falar com o encarregado do R.H.. Quando voltou, sentou ao lado dela e começou.
_ Maria, não expliquei o porquê da minha atitude aquele dia, pois é difícil! Agora, aqui, somente nós dois, eu posso dizer. Escute e depois responda. Você tem o péssimo habito de me interromper! E preciso dizer isso.
_ Fale! – Mais nervosa ainda.
_ Os departamentos juntos viraram um problema que não tinha mais como sustentar. Ninguém, fora você, dava conta das obrigações. Todos rendiam muito menos do que eram capazes e notei uma coisa que me perturbou.
_ O que? Era eu a culpada?
_ Não! Você sem perceber, dava conta de tudo aquilo, fazendo o trabalho de dez e recebendo por uma. Já estava lá há 6 anos e todas as oportunidades de ir além, ninguém lhe deu. E muitos se aproveitaram da sua presteza para fazer alpinismo social. Você não notou ou não identificou isso! Mas, como o pessoal “de cima” me cobrou uma atitude, eu por bem, remanejei tudo e fiz algumas alterações na rede, identifiquei os “parasitas” e já estou providenciando uma maneira melhor de conduzir aquilo. Vai ficar melhor. E você também! Pode ter certeza!
_ É?!? Ah é? Como? Desempregada? Na fila pra entregar currículos e não saber quando vou conseguir outro emprego? Depois dos cursos que fiz achando que estava sendo útil? E você me vem com essa conversa fiada? E o que eu tinha a ver com tudo isso se sempre cumpri tudo o que me pedia? Me tirou de lá só pra ficar mais a vontade? Me diz? O que eu fiz?
_ Você fez até demais! – a voz estava embaraçada – O que fiz na verdade foi tirar as muletas de quem não tem capacidade. Você merece bem mais do que isso!
____... Como?
_ Na verdade, tirando você de lá, muitos que viviam as suas custas, estão tendo de se virar! Aquilo, por enquanto virou um tumulto. Eu estou apenas observando quem é quem e depois vou eliminar os improdutivos. Quanto a você...
Ela o olhava incrédulo! O Senhor Nestor endoidou!
_ Caso queira, esta empregada em 40 dias em outro setor da empresa. Agora como auxiliar administrativa. Trabalhando diretamente com o presidente da companhia! O que me diz?
__....
_ Vai falar algo ou entendo como um “não”?
_ A. A. A....
_ É pra hoje?
_ Aceito! Claro que aceito! Nem sei o que lhe dizer!
_ Não diga! Na hora que tomei a decisão e lhe disse tudo aquilo, foi num sopro só! Não ia ter coragem de ficar te encarando. Então peguei um cigarro, fui falar com o R.H. sobre você e lavar o rosto. Difícil fazer determinadas coisas.
_ Senhor Nestor...
_ Há! Outra coisa. Quando voltei e você não estava mais o pessoal entrou na sala e me entregou isso! – Era um embrulho parecendo um porta-retratos.
_ Me desculpe! Estava tão transtornada que, na hora, minha vontade era quebrar tudo! E fiquei com raiva dessa foto!
Uma risada invadiu a sala de esperas! Os dois gargalhavam!
_ Toma! É seu! Agora que está tudo certo, se precisar de algo, me avise. Esses quarenta dias são umas férias. E com o dinheiro do acerto e mais um bônus que tem ai, você pode se virar! Não vai gastar tudo, hein! Em poucos dias você volta ao trabalho. Vê lá!
Maria não disse mais nada sobre aquilo. Olhou para aquele homem de meia idade e ficou pensando “Mas esse cara não para de me surpreender!”. Abriu o embrulho depois que ele saiu e ficou olhando. Na foto do porta-retratos, estava o pessoal do departamento em uma festa de fim de ano. Maria estava abraçada com Nestor.
“O que difere um anjo de um demônio é a função, não o estado.” – John Milton – Paraíso Perdido.
Texto: Tyr.
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